MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DE ENSINO
Cipriano Carlos Luckesi
Aqui, também impera o senso comum.
Se tomarmos um conjunto de planejamentos de ensino de diversos professores veremos que no item denominado “método de ensino” ou “atividade de ensino”, invariavelmente, está escrito: aula expositiva, dinâmica de grupo, trabalho dirigido, questionamento oral etc. Generalidades!
Mas, será que essas indicações decorrem da reflexão teórica, objetiva, consciente? Ou elas emergiram do “costume” de dizer que os métodos de ensino são esses? Mais propriamente: esse modo de agir não indica a presença do senso comum também naquilo que se refere às questões metodológicas do ensino?
Os planejamentos são produzidos mais ou menos da forma como descrevemos a seguir. No inicio do ano letivo há uma semana dedicada ao planejamento de ensino. Como é uma atividade obrigatória na escola, tem que ser realizada. Assim, toma-se o formulário de planejamento e cumpre-se a tarefa de preenchê-lo. A atividade é assumida como se fosse de planejamento, mas é executada como um preenchimento de formulário. Começa-se pela coluna de conteúdos, que é a mais fácil. Os conteúdos já estão explícitos e ordenados nos livros didáticos. Basta, para tanto, copiar o índice. A seguir, inventam-se objetivos que casem com os conteúdos indicados. De fato, o planejamento exige o contrário: em primeiro lugar, o estabelecimentos dos objetivos e, depois, encontrar os conteúdos que os operacionalizem. As atividades para efetivar esses conteúdos já estão definidas “desde sempre”. Por que pensar nelas? Todo mundo dá aulas com exposição, dinâmica de grupo etc. é o senso comum pedagógico que conduz a essa decisão. De fato, o planejamento seria o momento decisivo sobre o que fazer; um momento de definição política e científica da ação pedagógica, no caso da educação. Não pode ser feito a partir do senso comum, mas, exclusivamente, com senso crítica.
De fato, sobre métodos e procedimentos de ensino, é preciso agir com critérios definidos e com prudência. Não basta relacionar qualquer coisa num planejamento. Há necessidade de estudar que procedimentos e que atividades possibilitarão, da melhor forma, que nossos alunos atinjam o objetivo de aprender o melhor possível daquilo que estamos pretendendo ensinar.
MÉTODO E PROCEDIMENTO DE ENSINO
[Aqui, impera o senso crítico.]
Vamos iniciar por uma definição de procedimento de ensino, distinguindo-o de método. No cotidiano escolar e nas discussões diárias sobre a prática docente, confundem-se essas duas coisas. Assim, por vezes, ouvimos alguém dizer: “para desenvolver minhas aulas, estou utilizando-me da metodologia de trabalho em grupo”; outras vezes ouvimos a pergunta: “que metodologia vai ser utilizada neste simpósio?”. De fato, o que se está perguntando é: “que técnicas de estudos vão ser utilizadas para o desenvolvimento das atividades deste evento?”. Ou ainda, às vezes, tomamos em nossas mãos um livro cujo título é Metodologia de ensino, porém o seu conteúdo refere-se a técnicas de ensino, tais como exposição, trabalho de equipe, simulação etc. Contudo, a levar a sério o que significa método, torna-se necessário precisar os conceitos e estabelecer uma distinção entre os campos. Uma coisa é procedimento e outra coisa é método. Sem essa efetiva distinção, sempre estaremos confundindo os dois elementos, desde que a distancia entre um e outro parece ser tênue na medida em que, no cotidiano, se usa indiscriminadamente o termo “metodologia” para indicar várias coisas, tais como o modo de produzir conhecimento, um modo de atingir um objetivo que se deseja, o modo de desenvolver uma ação qualquer.
Em todos esses entendimentos há um fundamento comum, porém existem compreensões a serem delimitadas de forma distinta.
Genericamente, define-se método como o meio para se atingir um determinado fim. Essa definição nasce do próprio sentido etimológico do termo, cuja origem encontra-se em suas palavras gregas: meta ( = para) + odos ( = caminho). Método seria, então, “caminho para” se chegar a um determinado fim. Contudo, os fins a serem atingidos variam; fato que obriga a entendimentos diversos do que seja método. Neste caso, vamos distinguir pelo menos duas perspectivas de compreender método: a) método visto sob a ótica teórico-metodológica e b) método visto sobre a ótica técnico-metodológica.
Sob a primeira ótica – ou seja, sob o ponto de vista teórico metodológico -, método significa um modo de abordar a realidade, seja para a produção de conhecimentos seja para o encaminhamento de ações. Tanto em um como em outro objetivo, ao enfrentarmos a realidade, assumimos uma forma, uma visão que nos permite tratá-la sob determinado ponto de vista.
Por exemplo, estudando a Independência do Brasil, podemos seguir uma abordagem reducionista, limitada aos personagens, ou podemos utilizar-nos de uma abordagem dialética, levando em conta as condições objetivas desse conhecimento histórico.
Vamos exemplificar essas duas formas de “abordar” a realidade. Em primeiro lugar, um exemplo reducionista:
A Independência do Brasil decorreu da decisão irada de D. Pedro, que, a conselho de José Bonifácio – o Patriarca da Independência -, às margens do rio Ipiranga, deu o grito de “Independência ou Morte”.
Esse é um modo de interpretar a história, modo segundo o qual se interpreta os acontecimentos históricos como sendo resultado da ação de grandes heróis, de grandes homens, de grandes feitos. É uma interpretação da história que leva em conta apenas aqueles elementos que podem ser considerados os mais visíveis, os mais aparentes. No relato acima, parece que tudo dependeu da vontade de D. Pedro I. Aprendendo a “ver” a história dessa forma, vamos interpretar todos os fatos e acontecimentos a partir dessa matriz (método), ou seja, ao analisar qualquer outra situação histórica do passado ou do presente, vamos nos utilizar sempre dos personagens e das circunstâncias objetivas que os determinam.
De uma perspectiva de totalidade (ou seja, levando em consideração o conjunto dos fatores que determinaram o acontecimento que estamos analisando), a Independência do Brasil poderia ser assim descrita:
Deu-se a 7 de setembro de 1822, como consequência de um conjunto de acontecimentos: os movimentos nativistas do século XVIII e do inicio do XIX (Inconfidência Mineira, Revolução dos Alfaiates, Revolução Carioca, Revolução Pernambucana); a vinda da Família Real para o Brasil em 1808, transferindo para cá a Corte e seus benefícios, acelerando a ruptura do “pacto colonial”. O grito de D. Pedro I, às margens do rio Ipiranga, foi o ato político final desses processos.
Este segundo modo de abordar a história utiliza um método diverso do anterior, na medida e que aquele entende que os acontecimentos históricos dependem de indivíduos e grandes personalidades; este último entende que os acontecimentos históricos são inexoravelmente articulados com as condições histórico-sociais objetivas. O suporte metodológico de cada um desses estudos é diferente. Devemos observar que, na leitura do que está exposto e como está exposto, é possível identificar o método com o qual a realidade está sendo abordada.
Isso nos leva a compreender que os “conteúdos” (e, no caso, os conteúdos escolares) não existem sem estarem “informados” por um método, por uma “visão” com a qual se trata a realidade.
Um mesmo tema pode sofrer diversas abordagens, possibilitando compreensões também diversas. Marx, na introdução do livro O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, o Pequeno, nos mostra que o mesmo fato – o Golpe de Estado efetuado por Luís Napoleão, em 1852, na França – foi abordado de formas diversas por autores diferentes. Diz ele que Victor Hugo, político e literato francês, escreveu um livro sobre esse acontecimento denominado Napoleão, o Pequeno, onde atira muitas invectivas contra Luís Napoleão em função deste ter efetuado o Golpe de Estado, terminado por dizer que esse acontecimento deu-se como uma raio que veio do céu. Criticou Luís Napoleão, fazendo dele um herói; herói tão forte que saiu vitorioso em um Golpe de Estado. Marx lembra que Joseph Proudhon também escreveu um livro analisando essa fato cujo título é O Golpe de Estado. Tentou demonstrar que o golpe era resultado de um processo social anterior e terminou por elogiar Luís Napoleão.
Esses dois autores possuem em comum o método de estudar um fenômeno histórico: constroem a história como se ela fosse produto da personalidade de grandes homens, de heróis.
Marx, diversamente deles, escreveu O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, onde demonstrou que Luís Napoleão e seu golpe de Estado eram consequência dos dados históricos objetivos da França. Demonstrou que Luís Napoleão era um aventureiro e um embusteiro, mas, devido às condições objetivas da história francesa, conseguiu chegar ao poder. Três obras, recursos metodológicos diversos, resultados diferentes. Lendo cada uma, pode-se identificar o tipo de tratamento metodológico que o autor usou para tratar o tema.
Em síntese, o conhecimento da realidade exige uma forma metodológica de abordá-la, uma perspectiva segundo a qual a realidade é vista. Aqui o método ganha o seu caráter teórico, ou seja, o modo segundo o qual ele permite que a realidade seja apreendida do ponto de vista do conhecimento.
Contudo, ainda dentro desse caráter teórico do método, deve ser compreendida a ação, ou seja, as ações humanas também dependem de uma “visão”. Agir em função de um processo democrático de uma sociedade é diferente de agir em função de um processo autoritário.
A exemplo, podemos citar o discurso de um político que diz:
“Estamos engajados num processo de construção da democracia. Por isso, estamos reunindo representantes dos diversos segmentos sociais para que, conjuntamente, definam as necessidades e as ações a serem executadas para o bem do povo.”
O discurso acima é diverso deste outro:
“Estamos interessados na construção da democracia. Para isso, sendo eleito, eu acabarei com os corruptos, acabarei com a miséria, construirei casas para os pobres etc....”.
O primeiro discurso funda-se em um método de agir e o segundo em outro. O primeiro rege-se por uma visão teórica “representativa” – são os segmentos sociais que decidirão as ações; o segundo rege-se por uma visão teórica “autoritária” (fascista) – é o “herói” que fará tudo, como se assim pudesse ser, sem ter presente as condições sociais da sua possível administração.
Portanto, tanto o conhecimento quanto as ações estão determinados por uma visão teórica que “informa” a ação e os resultados dessa ação. Essa é a ótica teórico-metodológica do método.
Sob a ótica teórico-metodológica, o método é a definição dos modos de se atingir resultados desejados, os objetivos definidos. Por exemplo, para se organizar um grupo de pessoas, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, podem-se seguir caminhos variados. Pode-se, em principio, obrigar que cada um exerça um determinado papel, para que o resultado seja obtido; mas pode-se, diversamente, atuar para que todos compreendam a importância do resultado final e passem a colaborar na sua construção. As duas formas operacionais de agir indicam perspectivas técnico-metodológicas diferentes: uma é autoritária, a outra é democrática. Ambos os caminhos poderão chegar ao mesmo resultado material específico, mas não ao mesmo resultado global, incluindo aí o processo humano.
No caso da Pedagogia Histórico-Crítica, a questão metodológica, sob a ótica técnica, se manifesta como os meios satisfatórios para atingir os fins da aprendizagem que, por sua vez, servem aos fins políticos. Para essa Pedagogia, a elevação do patamar cultural do educando se dá pela assimilação ativa de conhecimentos e pela formação de habilidades e de hábitos, como vimos falando. À pergunta – “como se chega a esse resultado?” – responde a metodologia, sob a ótica técnica, com os procedimentos da ação.
Para que o educando assimile os conhecimentos é preciso que entre em contato com ele; isso implica que o conhecimento lhe seja exposto; para atingir esse fim, usa-se o método expositivo. Todavia, como a recepção do conhecimento exposto é pouca para que o educando desenvolva habilidades e forme hábitos, importa que exercite esse conhecimento. Para tanto, será necessário usar método reprodutivo, que exige o reiterado exercício do conhecimento exposto e do consequente modo de agir. Porem, sabemos que receber e repetir conhecimentos e modos de agir ainda é insuficiente para o ser humano. É importante que os conhecimentos, habilidades e hábitos adquiridos sejam transferíveis para as múltiplas situações existenciais que cada um de nós encontra, seja no cotidiano, seja no trabalho, seja na vida intelectual. Então, importa aprender a aplicar conhecimentos, habilidades e hábitos. Para esse fim específico, usamos o método da solução de problemas determinados, ou seja, ao nível do ensino/aprendizagem, criamos situações para a exercitação do uso daquilo que foi adquirido.
Em síntese, o método, sob a ótica técnico-metodológica, manifesta-se com meios pelos quais atingimos fins próximos, articulados com fins políticos mais distantes.
Esse fato conduz a um terceiro entendimento da questão metodológica: a ótica técnico-metodológica articula-se com a ótica teórico-metodológica. Um modo operacional de agir ou de fazer alguma coisa não existe num vácuo teórico, mas sim articulado com uma “visão” de realidade.
Os procedimentos são os modos específicos com os quais operacionalizamos o método. Os procedimentos, propriamente, são técnicas de ação que, se executadas, cumprem o método, sob a ótica técnico-metodológica. Por exemplo, o método expositivo, que é o meio pelo qual levamos ao educando os conhecimentos já elaborados, pode ser executado através de vários procedimentos (ou técnicas) expositivos: exposição oral pelo professor, exposição escrita através de um texto, demonstração de como proceder à execução de uma experiência em laboratório, a apresentação de um exemplo a ser imitado etc. o mesmo se dá com o método reprodutivo e assim por diante.
Então, importa ter claro que os procedimentos são os recursos imediatos de ação que utilizamos para cumprir um fim intermediário (no nosso caso, a aprendizagem de alguma coisa), tendo em vista um fim político abrangente (no caso, a formação do cidadão).
Esse fato leva-nos à compreensão de que os procedimentos de ensino, que usamos diariamente na sala de aula, estão comprometidos com as duas óticas metodológicas: a teórica e a técnica. A prática docente tem por objetivo produzir resultados, mas não quaisquer resultados; e, sim, resultados politicamente definidos.
Isso leva-nos a compreender que a seleção de procedimentos, seja na produção de conhecimentos seja na condução de uma ação social, não se dá isoladamente, mas vive comprometida com um modo teórico de ver o mundo.
No ensino, não basta definir que se vai utilizar a “exposição oral” ou a “exposição escrita”, ou o “trabalho dirigido” etc. É preciso ter clareza da intenção com a qual se vai utilizar este ou aquele procedimento. E isso depende da concepção pedagógica que gere o nosso trabalho docente.
PROCEDIMENTOS DE ENSINO NO COTIDIANO ESCOLAR
Será que nós, professores, ao estabelecermos nosso plano de ensino, ou quando vamos decidir o que fazer na aula, nos perguntamos se as técnicas de ensino que utilizaremos têm articulação coerente com nossa proposta pedagógica? Ou será que escolhemos os procedimentos de ensino por sua modernidade, ou por sua facilidade, ou pelo fato de dar menor quantidade de trabalho ao professor? Ou, pior ainda, será que escolhemos os procedimentos de ensino sem nenhum critério específico?
No cotidiano escolar, na maior parte das vezes, os procedimentos de ensino são selecionados sem critérios definidos criticamente, sem que se reflita claramente sobre o sentido e o significado de cada um deles. São escolhidos sem que se reflita sobre a articulação dos procedimentos com as propostas pedagógicas.
Ocorre que nem sempre as propostas pedagógicas são assumidas com clara consciência, daí a dificuldade em articular procedimentos com proposta. No geral, os procedimentos de ensino são retirados do arsenal já consagrado pela prática docente. O professor já habituado – seja pela formação, seja pela prática, seja pela herança cultural comum que recebeu – a não se preocupar com a proposta pedagógica e, muito menos, coma articulação entre procedimentos de ensino e proposta pedagógica.
Na época de planejamento, na maioria das vezes, os professores preenchem os formulários que lhe são apresentados, mas não fazem planejamento propriamente dito, pois planejamento implica decisão. No próximo capitulo falaremos do planejamento. Por ora, importa lembrar que, normalmente, as decisões sobre os recursos técnicos do ensino não chegam a ser propriamente decisões, mas sim puras indicações de procedimentos e práticas que estão aí disponíveis. Os procedimentos são arrolados como se não tivessem que ter articulação com os objetivos pedagógicos. Os espaços do formulário de planejamento são utilizados como se fossem apenas espaços com rubricas a serem preenchidas e nada mais que isso. O item relativo aos procedimentos de ensino é preenchido por uma informação qualquer, já pronta e definida. No entanto, como vimos acima, cada um dos procedimentos só faz sentido na medida em que está articulado com uma proposta pedagógica, que a traduz, e a medeia, constituindo um todo harmônico.
Ao assumir a conduta comum, no que se refere à seleção de procedimentos de ensino, podemos ser conduzidos a mediar uma proposta pedagógica que, em princípio, rejeitamos.
Por exemplo: podemos estar desejosos de que nossos alunos aprendam o conhecimento científico, mas usamos como procedimento de ensino um trabalho de grupo espontâneo. Será que com esse procedimento estaremos conduzindo nossos alunos à aprendizagem desse conhecimento? Ou estaremos querendo que os nossos educandos aprendam a fazer uma coreografia, através da dança e, então, escolheremos deixá-los soltos, à vontade, cada um fazendo o que quiser. Será que, assim, estaremos possibilitando a disciplina necessária para a construção de uma coreografia? Ou, ao contrário, numa atividade de artes plásticas, propomos que nossos alunos aprendam a expressão livre pela pintura e, como procedimento, lhes indicamos que recubram linhas já elaboradas num determinado papel. Será que, dessa forma, conseguiremos nosso objetivo?
Como se vê, cada finalidade exige um procedimento específico, como sua mediação, de tal forma que possa ser efetivamente alcançada. Não é qualquer procedimento que serva a qualquer finalidade. Os procedimentos necessitam estar alinhados com os fins.
O nosso cotidiano escolar brasileiro não tem sido exemplo recomendável de articulação entre fins e meios, entre propostas pedagógicas e procedimentos de ensino.
Observação: montagem feita para uso em sala de aula a partir da referência:
LUCKESI. Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
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